quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Excerto:

As Coisas Que Nunca Dissemos
Marc Levy


«1

– Então, achas que fico bem assim?
– Volta-te e deixa-me olhar para ti.
– Stanley, há meia hora que me examinas da cabeça aos pés; já não consigo ficar mais tempo de pé neste estrado.
– Eu diminuiria ainda no comprimento; seria um sacrilégio esconder umas pernas como as tuas!
– Stanley!
– Minha querida, queres ou não queres a minha opinião?
Volta-te outra vez para eu te ver de frente. É exactamente o que eu pensava, entre o decote e o cair das costas não vejo qualquer diferença; pelo menos, se tiveres uma nódoa, só terás de a virar… da frente para trás, é a mesma coisa!
– Stanley!
– Essa ideia de comprares um vestido de noiva em saldo deixa-me horrorizado. Porque não procuras na Internet quando estiveres a trabalhar no computador? Querias a minha opinião, e eu dei-ta.
– Peço desculpa por não poder oferecer nada melhor a mim mesma com o meu salário de infografista.
– Desenhadora, minha princesa! Meu Deus, tenho horror a este vocabulário do século XXI.
– Trabalho com um computador, Stanley, e não com lápis de cor!
– A minha melhor amiga esboça e anima personagens maravilhosas, por isso, com computador ou sem ele, ela é desenhadora e não infografista. Tu realmente tens de discutir acerca de tudo!
– Encurta-se ou deixa-se como está?
– Cinco centímetros! E depois será preciso arranjar este ombro e apertar na cintura.
– Bem, já percebi, detestas este vestido.
– Não foi o que eu disse!
– Mas é o que tu pensas.
– Deixa-me ajudar nas despesas e vamos rapidamente à Anna Maier; peço-te que me ouças pelo menos desta vez!
– A dez mil dólares um vestido? Estás completamente louco! Também não tens dinheiro para isso, e, depois, é apenas um casamento, Stanley!
– O teu casamento!
– Eu sei – suspirou Julia.
– Com a fortuna que possui, o teu pai poderia…
– A última vez que vi o meu pai, estava eu parada num semáforo vermelho e ele descia num carro a 5th Avenue… há seis meses. Fim de discussão!
Julia encolheu os ombros e desceu do estrado. Stanley segurou-a pela mão e abraçou -a.
– Minha querida, todos os vestidos do mundo te ficariam às mil maravilhas, apenas quero que o teu seja perfeito. Porque não pedes ao teu futuro marido que to ofereça?
– Porque os pais do Adam já vão pagar a cerimónia, e se se pudesse evitar contar à sua família que ele se vai casar com uma Cosette não me sentiria pior. Num passo ligeiro, Stanley atravessou a loja e dirigiu-se para um expositor perto da montra. Encostados ao balcão da caixa, vendedores e vendedoras conversavam entre eles ignorando-o por completo. Agarrou num vestido estreito de cetim branco e deu meia-volta.
– Experimenta este e não quero ouvir nem mais uma palavra!
– É um 36, Stanley, nunca conseguirei caber nele.
– O que é que eu acabei de te dizer?
Julia ergueu os olhos aos céus e entrou na cabina de provas que Stanley lhe apontava com o dedo.
– É um 36, Stanley! – repetiu ela, afastando -se.
Alguns minutos depois, a cortina abriu-se tão bruscamente como se fechara.
– Eis por fim uma coisa que se assemelha ao vestido de casamento da Julia – exclamou Stanley. – Sobe já para o estrado.
– Tens um guindaste para me içar? Porque se dobro um joelho…
– Fica-te às mil maravilhas!
– E, se engolir um petit four, as costuras rebentam.
– Nunca se come no dia do nosso casamento. Alarga-se um bocadinho de nada no peito e ficarás com um ar de rainha! Achas que haverá algum vendedor nesta loja? É absolutamente inacreditável!
– Eu é que deveria estar nervosa, e não tu!
– Eu não estou nervoso, estou é espantado por ter de ser eu a arrastar-te para vires comprar o teu vestido de noiva quando faltam apenas quatro dias para a cerimónia!
– Só tenho trabalhado nestes últimos tempos! E nunca poderemos falar deste dia a Adam, pois há um mês que lhe jurei que estava tudo pronto. Stanley agarrou numa pregadeira de alfinetes que estava abandonada em cima do braço de uma poltrona e ajoelhou-se aos pés de Julia.
– O teu marido não se apercebe da sorte que tem. Tu és fantástica.
– Pára com as tuas pequenas ferroadas contra o Adam. Afinal, de que é que o censuras?
– É parecido com o teu pai…
– Não sabes o que dizes. O Adam não tem nada a ver com ele, aliás, ele detesta-o.
– O Adam detesta o teu pai? Um bom ponto a favor dele.
– Não, o meu pai é que detesta o Adam.
– O teu pai sempre odiou tudo o que se aproximava de ti. Se tivesses tido um cão, ele tê-lo-ia mordido.
– Não, se eu tivesse tido um cão, ele teria certamente mordido o meu pai – disse Julia a rir.
– Seria o teu pai a morder o cão!
Stanley ergueu-se e recuou alguns passos para contemplar o seu trabalho. Abanou a cabeça e inspirou profundamente.
– O que é que se passa? – perguntou Julia.
– Está perfeito, ou melhor, tu é que és perfeita. Deixa-me ajustar a cintura e poderás finalmente levar-me a almoçar.
– Num restaurante à tua escolha, meu amigo!
– Com este sol, poderá ser na primeira esplanada; mas tem de ficar à sombra e tu tens de deixar de te mexer para que eu possa acabar este vestido… quase perfeito.
– Porquê «quase»?
– Porque está em saldo, minha querida!
Passou uma vendedora e perguntou-lhes se precisavam de ajuda. Stanley mandou -a embora fazendo um gesto com a mão.
– Achas que ele virá?
– Quem? – perguntou Julia.
– O teu pai, idiota!
– Pára de me falares nele. Disse -te que não tinha notícias dele desde há meses.
– No entanto, isso não quer dizer…
– Ele não vem!
– E tu deste-lhe notícias tuas?
– Há muito tempo que desisti de contar a minha vida ao secretário particular do meu pai, porque o papá está em viagem ou em reunião e não tem tempo para falar com a filha.
– Enviaste-lhe uma participação?
– Estás quase a acabar?
– Quase! Vocês parecem um velho casal; ele é ciumento. Todos os pais são ciumentos! Há-de passar-lhe.
– É a primeira vez que te ouço defendê-lo. E depois, se somos um velho casal, então há anos que nos divorciámos. Ouviu-se a melodia de «I Will Survive» vinda da mala de Julia. Stanley interrogou-a com o olhar.
– Queres o teu telefone?
– É certamente o Adam ou do estúdio…
– Não te mexas, vais arruinar todo o meu trabalho, eu levo-to. Stanley mergulhou a mão no saco da amiga, tirou lá de dentro o telemóvel e estendeu-lho. Gloria Gaynor calou-se de imediato.
– Tarde de mais! – murmurou Julia, olhando para o número no visor.
– Então, era o Adam ou do trabalho?
– Nem um, nem outro – respondeu ela, com o rosto contraído.
Stanley fixou-a.
– Vamos brincar às adivinhas?
– Era do escritório do meu pai.
– Liga -lhe!
– É claro que não! Ele que me ligue.
– Foi o que ele acabou de fazer, não?
– Foi o que acabou de fazer o seu secretário, era a linha dele.
– Estás à espera desta chamada desde que puseste no correio a participação do teu casamento. Deixa de ser criança. A quatro dias do enlace, é costume evitar-se ao máximo o stresse. Queres que te apareça uma borbulha enorme no lábio ou uma erupção
horrível no pescoço? Então, liga-lhe já.
– Para que o Wallace me explique que o meu pai está sinceramente triste, mas que vai estar em viagem no estrangeiro e não poderá, infelizmente, cancelar uma deslocação agendada há meses? Ou então que, infelizmente, vai estar ocupado nesse
dia com um assunto da mais alta importância ou outra desculpa qualquer?
– Ou então que está feliz por poder comparecer no casamento da filha e que quer ter a certeza de que, apesar das divergências entre ambos, ela o sentará na mesa de honra!
– O meu pai dá pouca importância às honras; se viesse, preferiria estar perto do bengaleiro, desde que a jovem mulher que dele se ocupa fosse extremamente bem-feita!
– Deixa de o odiar e liga-lhe, Julia. Oh, olha, faz como quiseres. Vais passar o casamento todo a espreitar para veres quando é que ele chega, em vez de aproveitares o momento.
– E assim esquecer-me-ei de que não posso tocar nos petits fours por correr o risco de explodir no vestido que escolheste!
– Que simpática, minha querida! – assobiou Stanley, dirigindo -se para a porta da loja. – Almoçamos num dia em que estejas mais bem-disposta.
Julia tropeçou ao descer do estrado, e correu na sua direcção. Agarrou-o pelo ombro e, desta vez, foi ela que o abraçou.
– Desculpa, Stanley, não queria dizer aquilo, estou desolada.
– Em relação ao teu pai ou ao vestido que tão mal escolhi e ajustei? Gostava que reparasses que nem a tua descida catastrófica nem a cavalgada que empreendeste nesta loja ordinária parecem ter desfeito a mínima costura!
– O vestido é perfeito, tu és o meu melhor amigo, sem ti nem sequer poderia pensar em dirigir-me ao altar. Stanley olhou para Julia, tirou um lenço de seda da algibeira e limpou os olhos húmidos da amiga.
– Queres realmente atravessar a igreja de braço dado com uma grande louca, ou a tua última maldade seria fazeres-me passar pelo teu asqueroso pai?
– Não esperes por isso, não tens rugas suficientes para seres credível nesse papel.
– Era a ti que eu estava a favorecer, palerma, rejuvenescendo-te um pouco de mais.
– Stanley, é pelo teu braço que quero ser conduzida para junto do meu marido! Que outra pessoa poderia ser?
Ele sorriu, apontou para o telemóvel de Julia e disse-lhe numa voz terna:
– Liga ao teu pai! Vou dar instruções à idiota da vendedora, que tem ar de não saber o que é um cliente, para que o teu vestido esteja pronto depois de amanhã, e iremos por fim almoçar. Telefona agora, Julia, estou a morrer de fome!
Stanley afastou-se e dirigiu-se à caixa. De caminho, lançou uma olhadela à amiga, viu-a hesitar e por fim telefonar. Aproveitou para tirar discretamente o livro de cheques, pagou o vestido, o trabalho da costureira e juntou uma gorjeta para que ficasse tudo pronto dentro de quarenta e oito horas. Guardou o talão na algibeira e voltou para junto de Julia, que acabava de desligar.
– Então? – perguntou ele impaciente. – Ele sempre vem?
Julia abanou a cabeça.
– Qual é desta vez o pretexto invocado para justificar a sua ausência?
Julia inspirou profundamente e fixou Stanley.
– Ele morreu!
Os dois amigos entreolharam-se durante um momento, mudos.
– Neste caso, devo dizer que a desculpa é perfeita! – murmurou Stanley baixinho.
– És realmente parvo, sabias?
– Estou confuso, não era isso que eu queria dizer; na verdade, não sei o que é que me passou pela cabeça. Estou triste por ti, minha querida.
– Não sinto nada, Stanley, nem a mais pequena dor no peito, nem uma lágrima a subir.
– Mas vais sentir, não te preocupes, ainda estás em estado de choque.
– Sim, justamente por isso.
– Queres ligar ao Adam?
– Não, agora não, mais tarde.
Stanley olhou a amiga com um ar inquieto.
– Não queres dizer ao teu futuro marido que o teu pai acabou de morrer?
– Morreu ontem à noite, em Paris. O corpo será repatriado de avião e o enterro terá lugar dentro de quatro dias – acrescentou ela numa voz quase inaudível.
Stanley começou a contar pelos dedos.
– Neste sábado? – perguntou ele, arregalando os olhos.
– Na tarde do meu casamento… – murmurou Julia.
Stanley dirigiu-se imediatamente à caixa, recuperou o cheque e arrastou Julia para a rua.
– Eu é que te convido para almoçar!»

1 comentário:

Anónimo disse...

Bom dia!

Foi com grande alegria que fiquei a saber que este último livro de Marc Levy tinha sido publicado em Portugal. Sou uma leitora assídua das suas obras, pelo que agradeço à Pergaminho a sua publicação.

Gostaria de saber se está prevista a publicação dos restantes livros deste autor, nomeadamente "Où es-tu?", já de 2001 e de "Les enfants de la liberté", de 2007.

Visto ser este um espaço de interactividade e discussão, gostaria de deixar o pedido de publicação destes livros, que, por certo, todos os amamtes deste escritor esperam impacientemente.

Cumprimentos,
Vanessa